7 de mai. de 2013

O inútil III



Sutra:
Se você não aprecia o que não tem utilidade, não pode começar a falar do que pode ser útil.
A terra, por exemplo, é ampla e vasta, mas de toda a sua extensão, o homem utiliza apenas alguns centímetros sobre os quais ele se mantém de pé.

Suponhamos agora que você tire tudo o que ele na verdade não está usando, de modo que, em torno de seus pés, um abismo se abra, e ele fique de pé no vazio.
Sem nada sólido, a não ser o que se encontra sob cada pé, por quanto tempo ele vai ser capaz de utilizar o que está usando?

Esta é uma bela metáfora. Você está deitado aqui, está usando apenas um espacinho, de dois por dois. Você não está usando toda a terra, toda a terra é inútil, você está usando uma pequena porção, dois por dois.
Suponhamos que apenas isso lhe reste e toda a terra tenha sido retirada – quanto tempo você vai ser capaz de usar essa pequena parte?
Um abismo, um abismo infinito, se abrirá em torno de você – você vai ficar tonto imediatamente, você vai cair no abismo. Perceba... A terra inútil suporta o útil e o inútil é vasto, o útil é muito pequeno. E isso é verdade em todos os níveis do ser: Se você tentar salvar o útil e esquecer o inútil, mais cedo ou mais tarde vai ficar tonto. E isso já aconteceu, você está tonto e caindo no abismo.
A terra inteira foi tirada e você foi deixado apenas com a parte onde está sentado, em pé ou deitado. Você está ficando tonto. A toda a sua volta, você vê o abismo e o perigo; e você não pode usar a terra em que está de pé agora, porque só poderá usá-la quando o inútil se juntar a ela. O inútil deve estar lá.
E o que isso significa? Sua vida tornou-se só trabalho e nenhuma brincadeira. A brincadeira é o inútil, o grande; o trabalho é o útil, o trivial, o pequeno. Você tornou a sua vida completamente cheia de trabalho.
E sempre que você começa a fazer algo, a primeira coisa que vem à mente é: qual a utilidade disso¿ Se houver alguma utilidade você faz.
Parece absurdo para nós ouvirmos isso, mas isso já aconteceu em muitas dimensões da vida. Você nunca brinca, seus empregados estão fazendo isso. Você nunca é um participante ativo em qualquer diversão, outros estão fazendo isso por você. Você vai ver um jogo de futebol: outros estão jogando e você apenas assistindo – você é um espectador passivo, não envolvido. Você vai ao cinema para ver um filme e outras pessoas estão fazendo amor, violência, guerra – tudo -, você é apenas um espectador na cadeira. É tão inútil que você não precisa se preocupar em fazer aquilo. Qualquer um pode fazer, você pode apenas assistir.
O trabalho você faz, os outros estão se dedicando à diversão para você. Então por que não o amor¿ - A mesma lógica se aplica, alguém vai acabar fazendo isso com seu parceiro ou sua parceira por você, você está muito ocupado.
A vida parece sem sentido, porque o significado consiste num equilíbrio entre o útil e o inútil. Mas você negou completamente o inútil. Você fechou a porta. Agora, apenas o útil está presente. O útil se tornou um fardo, você está sobrecarregado demais por ele.
É um sinal de sucesso se, por volta dos 40 anos de idade, você já estiver tomando anti-depressivos ou se tiver úlceras. Aos 50 já deve ter sofrido o primeiro ataque cardíaco. Aos 60, ele morre – sem nunca ter vivido. Não houve tempo para viver. Ele tinha tantas coisas importantes para fazer, não havia tempo para viver.
Olhe ao redor e veja as pessoas bem sucedidas – o que está acontecendo com eles? Não olhe para as coisas que possuem, olhe-os diretamente, porque se você olhar para as coisas, você vai se deixar enganar, porque as coisas não têm úlceras, os carros não têm ataques cardíacos... Olhe para a pessoa e você vai sentir a pobreza. Então, mesmo um mendigo pode ser um homem rico, no que diz respeito à vida.
Perceba... O eu interior está sendo perdido em troca de bens fúteis. Você pode enganar os outros, mas como vai ser capaz de enganar a si mesmo? No final, você vai olhar para a sua vida e vai ver que você a perdeu por causa do que é útil.
O inútil deve estar presente. O útil é como o jardim, bem arrumado, limpo; o inútil é como uma vasta floresta, natural, não pode ser tão limpo e arrumado. A natureza tem sua própria beleza. Quando tudo está arrumado e limpo, ele já está morto. Um jardim não pode ser muito vivo, porque você vai podá-lo, cortá-lo, administrá-lo. Uma vasta floresta tem uma vitalidade, uma alma muito poderosa.
Entre numa floresta e você vai sentir o impacto; perca-se numa floresta e você vai sentir o poder que ela tem. Num jardim você não pode sentir o poder; ele não está lá, o jardim é feito pelo homem. Você pode olhar para ele – ele é cultivado, ele é administrado, manipulado.
Enfim, se você puder brincar, o seu trabalho vai se tornar um prazer. Se você puder se entregar a uma simples diversão, se você puder se tornar como crianças brincando, seu trabalho não será um fardo para você. Mas é difícil. Sua mente continua pensando em termos de dinheiro.
O dinheiro parece ser a única coisa útil. Todos aqueles que são utilitaristas são loucos por dinheiro, porque o dinheiro pode comprar. O dinheiro é a essência de toda a utilidade. Então, se Buda e as pessoas como Buda renunciaram, não foi porque eram contra o dinheiro, foi porque eram contra a utilidade, contra o útil. Então elas disseram: “Fiquem com todo o seu dinheiro. Estou indo para a floresta. Este jardim não é mais para mim. Vou explorar o vasto, o desconhecido, onde podemos nos perder. Este caminho arrumado e limpo, onde tudo é conhecido, mapeado, não é para mim”.
Quando você entra na vastidão da inutilidade, sua alma se torna grande. Quando você vai para o mar, sem mapa, você se torna como o oceano. Então o próprio desafio do desconhecido cria a sua alma.
Quando você está seguro, quando não há problema, quando tudo está matematicamente planejado, estabelecido, a sua alma se encolhe – não há desafio para ela.
O inútil confere o desafio. Por hoje basta.

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